Guiné - Chegada

  Estou recostado na cama do quarto 203 do Hotel Ancar, Bissau. Como habitualmente, cheguei ao aeroporto cerca das 2 da manhã. Como habitualmente, aquele calor húmido apossou-se de mim mal desci as escadas do avião, tocou-me os ossos e, passados curtos minutos, já transpirava por todos os poros. Como novidade, duas senhoras anafadas de bata branca e máscara correctamente aplicada nas vias aéreas, esperavam os passageiros. Tinham uma folha A4 cheia de perguntas para entregar a cada um deles. Se teve febre? se tossiu? em que voo chegou? qual o seu lugar no avião? etc., etc., etc. Um pouco mais à frente, um senhor uniformizado entregava um outro impresso, este cartonado, para responderemos às perguntas a que já respondemos no habitual impresso que é distribuído ainda no ar, pelo pessoal de cabina. Basicamente, quem é você? e o que vem fazer? Depois, foi preencher tudo aquilo em pé, na sala das chegadas, com o suor a pingar, apesar de a temperatura em Bissau, segundo o comandante, se situar nos 26º àquela hora.
Cumpridos os formalismos, foi o encontro com os colegas que simpaticamente nos esperavam e o nervoso miudinho de ver o tapete de borracha a rodar a rodar, e a mala sem aparecer. A roupa, os medicamentos... Meu Deus… Não! Tudo terminou bem. Em todas as viagens que faço, a minha mala é quase sempre das últimas a chegar, talvez para que alguém teste a solidez dos meus frágeis nervos, mas surge sempre, tem surgido.

A caminho do hotel, o escuro da noite e a chuva. Tem chovido muito. O escuro é habitual - como a chuva nesta época do ano - porque a iluminação pública pauta pela raridade e intermitência.

O Ancar é, afinal, um edifício antigo, que há poucos meses foi inaugurado como hotel. Quando me diziam que o hotel era novo não me mentiam, mas também não me contavam toda a verdade. Pois. O tempo passou e fez das suas. O segurança, que também é o recepcionista - ainda não conheço o seu nome -, esperava-nos estirado no hall de entrada – no chão, pois claro, à frente dos nossos olhos. Sabia que havia clientes para entrar e ali dormia, sacrificando os ossos, mas revelando uma elevada consciência profissional, porque, certamente, se fosse para outro local dormir teria mais dificuldade em acordar quando os clientes chegassem. Digo eu.

O quarto é pequeno, mas simpático. A casa de banho é igualmente pequena, mas sofrível. As louças são dos anos sessenta, a banheira forrada a azulejo branco e as tubagens da água à mostra. Bom, todo o hotel está equipado com aparelhos de ar condicionado novos e não falta a electricidade. Para mim, é isso que verdadeiramente conta.

Dar descanso ao corpo, sono pesado, recuperador, mas por curtas horas, e o inevitável acordar com o barulho próprio da rua, uma das mais movimentadas da cidade. Neste hotel é desconhecido o conceito de isolamento acústico. Não se pode ter tudo. O barulho começa cedo, o mercado não está longe. Falarei dele.

De manhã, através do vidro que não é duplo, vi a chuva a cair, muitas poças de água e lama nas bermas das estradas; campos alagados, verde em baixo, cinzento em cima. Não há sol, mas está calor, muito. O negro do alcatrão está ausente, ou porque não existe, ou porque está encoberto pela lama avermelhada. Há coisas que não mudam: os passeios e as estradas esburacadas e os abutres – as aves mesmo - continuam nos ares e nas ruas da cidade. Aqui são considerados os cantoneiros de limpeza, chamam-lhe almeidas por isso, já que ajudam no processo de recolha e reciclagem de algum lixo.

O telefone toca. É o meu colega. Exige companhia para o pequeno-almoço.

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