A palavra aos leitores - O Homem da Carbonária

Opinião do realizador Lauro António, expressa no seu blogue «Lauro António Apresenta», cerca de um ano após a publicação do livro

O HOMEM DA CARBONÁRIA

«O romance histórico está na moda. Existe mesmo uma receita: crime em cenário histórico igual a (quase certo) “best seller”. Nos escaparates das livrarias pululam os volumes de biografias, de situações, de épocas, de mitos, de enigmas históricos e outras coisas que tais. Estrangeiros e portugueses. Muitos são bem escritos e valem mesmo a pena, outros não serão muito bem escritos, mas ainda valem a pena como recolha e divulgação históricas, a maioria não vale nem uma coisa nem outra. A grande parte desta escrita a metro obedece a uma fórmula, aprendida seguramente nesses milhares de “work shops” de “escrita criativa” que se apregoam um pouco por todo o lado, ministrados a maioria das vezes por quem não sabe sequer escrever, quanto mais criar, mas que julga saber, por que “leu nos manuais” da indústria livreira, que a intriga deve ter “plots” e ganchos, e outros disparates que tais, como se a escrita (ou qualquer outra forma de criação artística) pudesse estar espartilhada por prescrições. O resultado é, na sua generalidade, penoso.

Mas de vez em quando surge uma surpresa, como é o caso deste “O Homem da Carbonária”, escrito por Carlos Ademar, que durante anos exerceu a investigação criminal, na Policia Judiciaria, se formou depois em História e se virou para a escrita. O seu primeiro romance não o li, chamava-se “O Caso da Rua Direita”, mas este “O Homem da Carbonária” em boa hora não me escapou. Não vou dizer que “descobri” uma obra-prima da literatura portuguesa contemporânea, mas basta-me a satisfação de surpreender quatrocentas páginas escorreitas, bem escritas, historicamente muito bem documentadas, aliciantes como leitura, acompanhando um caso curioso policial.

Estamos em Lisboa, no ano de 1926. No Jardim da Estrela aparece assassinado um tal Peres, chefe da segurança do Presidente do Conselho. Tanto o político como o seu devotado guarda-costas pertenceram a uma sociedade secreta que teve um papel essencial no derrube da Monarquia e na implantação da República: a Carbonária. Com base neste crime, Carlos Ademar lança na investigação o inspector Afonso Pratas que, não só segue as pistas dos suspeitos, como nos vai desvendando a vida politica do País nesses anos de fim da Primeira Republica e de advento da ditadura do Estado Novo, descobrindo os republicanos e as facções, de Afonso Costa a Bernardino Machado, os membros da Carbonária e os da Maçonaria, os Integralistas e os Sidonistas, apologistas da ditadura, os católicos e os agnósticos, os democratas e os camisas negras de Rolão Preto. Para lá deste esboço histórico com H grande, há a história com h pequeno, a saborosa pintura da vida quotidiana nesta Lisboa dos loucos anos 20.

Por vezes há uma excessiva exposição histórica, bem vinda como informação, mas às vezes fazendo emperrar um pouco a escrita. De um modo geral, porém, parece-me um bom livro e julgo poder assegurar a Carlos Ademar um futuro auspicioso neste campo que já se percebeu ser o de sua eleição. Mesmo literariamente, o livro é bom, e com uma excelente solução, simbólica. O epílogo é inesperado. A ditadura de 1928 consolidava-se no poder e a democracia morre mesmo ali. Deixo aqui a sugestão: leiam.»

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