Na Vertigem da Traição IV
Tenho o Manuel Domingues
(MD) como um homem de honra. Na minha opinião morreu por isso mesmo, pelo
sentido do dever que esteve sempre presente, no caso, ao defender os seus
camaradas mais humildes, mesmo indo contra a cúpula do partido. Foi aí que ele
se perdeu. Por Fevereiro/Março de 1949, numa reunião do Comité Central,
bateu-se contra a expulsão de camaradas seus da Marinha Grande, que acabaram
expulsos, entre eles Joaquim Gregório, irmão do José Gregório, que pertencia ao
mesmo Comité Central e foi figura grada até certa altura (outro assunto
interessante). Nessa reunião, Manuel Domingos ficou sozinho, o que lhe foi
fatal. Depois foi sempre a piorar, com o partido a definhar devido a muitas
cedências à PIDE, mas também em razão dos olhos do regime, disseminados um
pouco por todo o lado. Muito disto jogou contra MD, que, pela sua posição em
1949, passou a ser um alvo preferencial. Por estes anos o partido entrou em
enorme desorientação e surgiu a vertigem da traição. Na verdade, a PIDE nunca
esteve tão perto de ganhar a guerra. Foram cometidos alguns erros graves, fruto
dessa vertigem da traição, erros que depois foi preciso justificar. Aí surgiu,
publicado pelo PC, claro, o «Lutemos Contra os Espiões e Provocadores», que é,
assim o entendo, a principal peça de acusação contra o PC, no que ao crime de
MD respeita. Manuel Domingues tinha defeitos, era um homem, e eu desconfio dos
homens que não os têm, mas ser traidor não me parece que fosse um deles, longe
disso, até por tudo quanto sabemos dele. Estou a gostar muito da personagem.
Falta um trabalho académico sobre o homem e o seu tempo. Fica o desafio. A sua
história de vida bem o merece, bem como a história da sua morte - e nós também.
Manuel Domingues - Pouco antes de ser assassinado
(voltarei em breve)