O Chalet das Cotovias por terras de Montemor

Uma jovem leitora do Alentejo, Ana Mota, familiar do também leitor e já amigo Florindo Farinha, lavrou esta bela crítica sobre a leitura que fez de O Chalet das Cotovias, que saiu publicada no jornal da sua terra Folha de Montemor, na sua edição do corrente mês de Abril. Obrigado a Ana Mota com votos de que continue a ler e a escrever, pois, pela amostra, temos por aí uma futura mulher de letras. Um beijo.

 Aqui fica o texto legível:
«Certa manhã de Agosto de 1936, Luís Lencastre, um Advogado de Lisboa, saiu apressado do Café Gelo, no Rossio, para tomar o comboio com destino a Sintra. Momentos antes, soubera que Rosinha a sua irmã mais nova, era uma das convidadas para o evento que ia decorrer no famoso Chalet das Cotovias, localizado naquela vila. Não voltou a ser visto com vida.”
Carlos Ademar partiu assim de um crime real, ocorrido nos inícios dos anos 30 em plena consolidação e afirmação do Estado Novo e das suas instituições, e deu forma à trama deste seu livro.
É-nos dada a conhecer a jovem Ju Trigueiros, a qual além do amor pelas artes, herdou também de seu pai a fortuna e o Chalet, decidindo reactivar as iniciativas culturais “de que tão arredado andava nos últimos anos.” Ao Chalet acorriam, “às escondidas” várias “figuras femininas da alta sociedade lisboeta,” algumas delas filhas ou mulheres de homens de negócios ou políticos conotados com o regime. Mais do que exposições de pintura ou concertos musicais que o clube promovia, o misterioso palacete onde “pecado e prazer caminhavam lado a lado pondo em causa os ditames de Salazar “Deus, Pátria e Família”, promovia o que se diziam ser encontros de sexo lésbico. Aos olhos de uma sociedade atrasada e preconceituosa, que aos poucos ia sentindo a forte repressão de Salazar sufocar a liberdade de costumes adquirida durante a 1ª República, estes encontros causavam grande escândalo e reprovação. Estas mulheres, “filhas do século XX” com a sua atitude irreverente recusavam-se “a viver como as suas mães e avós”. Através de pequenas histórias que nos ajudam a compreender a realidade e o ambiente da época, somos convidados a revisitar um Portugal obscuro onde tudo era proibido, condenável e reprimido. O autor leva-nos assim numa visita guiada à Lisboa dos anos 30 com os seus típicos bairros populares, as tascas com os seus cheiros característicos. Cativa-nos e envolve-nos com descrições do quotidiano, maneiras de vestir e até a azáfama dos eléctricos que por ali iam passando. Muitos foram os momentos em que senti fazer parte daquela realidade que me convidava a assistir ao desenrolar da trama.
Quem também tem presença fixa em toda a história são a PIC (Polícia de Investigação Criminal-actual PJ), e a PVDE. A tensão que existia entre ambas está bem patente ao longo da acção, divergiam em muitos aspectos e apenas tinham uma para com a outra nada mais que cortesia profissional. A acção da PVDE ia-se fazendo sentir através da forte repressão que aplicavam para punir os desvios à ordem estabelecida e para fazer cumprir as ordens de Salazar. 
Recomendo a leitura D’O Chalet Das Cotovias! Foi um dos melhores e mais interessantes livros que li nos últimos tempos. Quem gosta de romances históricos com um bom enquadramento histórico pode e deve lê-lo. 
Para finalizar apenas referir a frase de Emily Dickinson com que o autor abre o livro: “Não há melhor fragata que um livro para nos levar a terras distantes.” De facto, por meio desta “fragata” foi assim que me senti, a navegar pela realidade histórica de um Portugal distante. Apesar de os acontecimentos terem tido lugar no nosso país para mim constitui uma realidade distante com a qual não contactei devido ao espaço temporal em que esteve vigente o Estado Novo.
Por vezes determinadas realidades de um país podem ser para quem não as vivenciou “terras distantes”». 

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