A técnica do escritor em treze teses
Que não seja por isso e venha de lá esse sempre adiado romance... aqui vai, via SIBILA - Revista de poesia e crítica literária
A técnica do escritor em treze teses
- Quem se propõe a escrever uma obra de grande envergadura deve ser indulgente consigo mesmo e, ao terminar sua tarefa diária, deve se conceder tudo aquilo que não prejudique a continuidade da mesma.
- Fale sobre o já realizado, de todas as maneiras, mas não leia nenhuma passagem a ninguém do trabalho em progresso. Qualquer gratificação que você obtenha dessa forma irá retardar o seu tempo. Se seguir o conselho, o desejo crescente de comunicação tornar-se-á, ao cabo, um motor para a conclusão do trabalho.
- Nas suas condições de trabalho, evite qualquer tipo de mediocridade cotidiana. O estado de semirrelaxamento, com o fundo de sons triviais, é algo degradante. Ao contrário, o acompanhamento de uma peça musical ou mesmo um murmúrio de vozes pode tornar-se tão importante para o trabalho como o silêncio da noite. Se este afia o ouvido interior, aquela age como pedra de toque para uma dicção ampla o suficiente para enterrar em si mesma qualquer ruído, mesmo o mais excêntrico.
- Evite utilizar materiais escolhidos ao acaso para escrever. O apego pedante a certo tipo de papel, caneta, tinta é benéfico. Sem luxos, certa abundância desses objetos é imprescindível.
- Não deixe nenhum pensamento passar desapercebido. Mantenha seu caderno de notas tão rigorosamente quanto as autoridades guardam seus registros de estrangeiros.
- Deixe sua pena longe da inspiração, que passará, então, a atrair com força magnética. Quanto mais circunspecto você for, ao anotar uma ideia, tanto mais madura e plenamente ela se entregará. A palavra conquista o pensamento, mas a escritura o domina.
- Nunca pare de escrever por esgotamento de ideias (quando nada mais lhe ocorre). A honra literária exige que se pare apenas quando se tenha que respeitar algum compromisso previamente marcado ou algum prazo (um jantar, um encontro), ou o fim do trabalho.
- Preencha as lacunas da inspiração passando a limpo cuidadosamente o que já tiver sido escrito. A intuição despertará no processo.
- Nulla dies sine linea [Nenhum dia sem uma linha] – mas semanas, sim.
- Não considere acabado nenhum trabalho sobre o qual você não se tenha detido alguma vez da noite até a manhã seguinte.
- Não escreva a conclusão de sua obra no lugar em que habitualmente trabalha. Não encontrará lá a coragem para fazê-lo.
- As etapas da composição: ideias – estilo – escritura. A vantagem de passar a limpo é que, ao fazê-lo, você fixa a atenção apenas na forma da escritura. A ideia mata a inspiração, o estilo acorrenta a ideia, a escritura remunera o estilo.
- O trabalho é a máscara mortuária de sua concepção.