Ainda a morte de Saramago

A esta hora, as cinzas de Saramago já esfriaram há muito, mas os admiradores do escritor, do presente e do futuro, jamais se poderão queixar do tal esquecimento, a que a Pátria votou outros.
Considero-me insuspeito para abordar este tema pelas razões que de seguida elenco: não nutria grandes simpatias pela pessoa José Saramago - ele também não fazia por as merecer; não partilho, nem nunca partilhei, as suas opções ideológicas; embirrava com algumas opiniões mais desabridas, e a forma até provocatória com que as expressava; abomino algumas histórias que se ouvem, que o têm como protagonista, vindas do tempo do PREC; e, apesar de lhe reconhecer mérito de artista, não sou um entusiasta da sua escrita, nunca fui. Por tudo isto, sinto-me de espírito livre para dizer que neste tempo que nos foi destinado para viver, José Saramago foi o português que mais projectou a nossa cultura. Apenas dois exemplos do seu contributo: deu ânimo a todos os milhões de lusófonos espalhados pelo mundo, que, naturalmente, passaram a ter mais um motivo de orgulho na língua que falam, pela atribuição do primeiro Nobel - e quanto precisamos de algum orgulho...; segundo, a repercussão que a sua obra teve, e tem em todo o mundo, despertou curiosidade pelo que neste canto da Europa se vai fazendo em termos culturais, abrindo portas a muitos outros - à cultura portuguesa. A este nível, precisamos de mais exemplos como o que ele foi capaz de nos dar.
Pode até a história vir a esquecê-lo, o que duvido, mas estes feitos estão consumados e ele foi o único responsável. Por isso todas as homenagens não foram de mais, como muitos apontaram ou sugeriram. Temos razões para nos arrependermos, enquanto povo, das homenagens que não fizemos; é a vergonha com que temos de viver. Aprendamos com os erros, porque as asneiras não podem servir de exemplo.