Ainda a morte de Saramago

Nós, os portugueses, sempre acusámos o país, o Estado, a sociedade… os portugueses, de se esquecerem dos seus grandes, dos homens e mulheres que com a sua obra, projectaram o país, enriqueceram a nossa cultura. Quantas figuras não desapareceram completamente ignorados por todos, desprezados, por vezes vivendo os últimos dias de forma miserável. Nomes, infelizmente, não faltam, Camões, Bocage, Pessoa e tantos, tantos outros de menos nomeada, e permito-me recordar aqui pelos seus contornos, o caso de António Boto, até porque, no contexto histórico, não está tão afastado assim dos nossos dias. Um caso de miséria extrema, como muitos outros, mas também de humilhação. Fomos nós, os portugueses, os responsáveis.

A esta hora, as cinzas de Saramago já esfriaram há muito, mas os admiradores do escritor, do presente e do futuro, jamais se poderão queixar do tal esquecimento, a que a Pátria votou outros.

Considero-me insuspeito para abordar este tema pelas razões que de seguida elenco: não nutria grandes simpatias pela pessoa José Saramago - ele também não fazia por as merecer; não partilho, nem nunca partilhei, as suas opções ideológicas; embirrava com algumas opiniões mais desabridas, e a forma até provocatória com que as expressava; abomino algumas histórias que se ouvem, que o têm como protagonista, vindas do tempo do PREC; e, apesar de lhe reconhecer mérito de artista, não sou um entusiasta da sua escrita, nunca fui. Por tudo isto, sinto-me de espírito livre para dizer que neste tempo que nos foi destinado para viver, José Saramago foi o português que mais projectou a nossa cultura. Apenas dois exemplos do seu contributo: deu ânimo a todos os milhões de lusófonos espalhados pelo mundo, que, naturalmente, passaram a ter mais um motivo de orgulho na língua que falam, pela atribuição do primeiro Nobel - e quanto precisamos de algum orgulho...; segundo, a repercussão que a sua obra teve, e tem em todo o mundo, despertou curiosidade pelo que neste canto da Europa se vai fazendo em termos culturais, abrindo portas a muitos outros - à cultura portuguesa. A este nível, precisamos de mais exemplos como o que ele foi capaz de nos dar.

Pode até a história vir a esquecê-lo, o que duvido, mas estes feitos estão consumados e ele foi o único responsável. Por isso todas as homenagens não foram de mais, como muitos apontaram ou sugeriram. Temos razões para nos arrependermos, enquanto povo, das homenagens que não fizemos; é a vergonha com que temos de viver. Aprendamos com os erros, porque as asneiras não podem servir de exemplo.





     

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