O16 de Março de José Hermano Saraiva
Sempre o achei melhor divulgador
da História do que historiador. Depois, nunca me pareceu ter conseguido
ultrapassar de forma saudável o trauma provocado pelo 25 de Abril. A forma
comovida como falou de Salazar numa das suas últimas idas ao programa de Herman
José, foi marcante. Por muito que procurasse defender-se (e fê-lo várias vezes)
da sua intervenção enquanto ministro da Educação Nacional na crise académica de
1969, os factos falam por todas as declarações de inocência. Em alguns casos,
procurou mesmo enxotar responsabilidades para outros colegas de governo e até
para o primeiro-ministro, quando era ele o ministro da tutela e logo, o primeiro
responsável pelo que na área ocorresse. Falo, claro, de José Hermano Saraiva
que ontem faleceu e, pelo que leram até aqui, podem concluir com razão que não
me era uma figura muito simpática.
A noite passada, a RTP passou uma
entrevista que, ou muito me engano ou terá sido a última que deu. Foi-nos
presente um homem velho, com dificuldade de articulação, mas com uma cabeça
pouco condizente com a fragilidade que a figura patenteava: factos e nomes bem
presentes e na ponta da língua. Mais uma vez tentou fugir aos aspectos negativos que castigaram os alunos no decurso da crise académica de 1969,
responsabilizando tudo e todos para escapulir. Mas o que mais me surpreendeu
foi o seu relato do 16 de Março de 1974, o chamado Golpe das Caldas. Só uma
visão deturpada por razões que nada têm a ver com os factos históricos em
análise, que eu imputo a uma certa vingança contra o então presidente do
Conselho, que o demitiu em 1970 substituindo-o pelo professor Veiga Simão, pode justificar tão bizarra conclusão. Referiu-se à falhada intentona militar como sendo um
«golpezinho do Marcelo» visando depor Américo Tomaz da presidência e colocar no
seu lugar o general Spínola. Enfim… conhecem-se os factos; há escritos
publicados pelos próprios intervenientes; conhecem-se as circunstâncias que
levaram àquela leviandade; sabe-se, inclusivamente, a má relação
pessoal existente entre Caetano e Spínola desde que, em 1972, aquele recusou
uma proposta deste – ainda que feita por outra pessoa, Almeida Bruno – para que
nesse ano, ano de eleição presidencial, o general substituísse o velho
almirante na presidência da República; sabe-se o que Caetano escreveu sobre o
assunto no seu testamento político «Depoimento», começado a redigir logo após o
25 de Abril. Só não se entende, a não ser à luz do que atrás referi – puro ressabiamento contra Caetano não só por o ter demitido, mas também (pecado maior) por ter sido este o escolhido
para substituir o ídolo político do agora falecido, o insubstituível Salazar.
Gostava de acreditar que com JHS
morreu quem consiga negar um tempo de repressão, miséria, prisão ilegal, tortura, censura, imigração
forçada que foi o Estado Novo, mas não acredito.