Vasco Gonçalves - Um general na Revolução
Nunca me foi uma figura muito simpática, confesso,
a minha esquerda não vai tão longe. É verdade que era miúdo quando ele passou
pelo governo e não tenho memórias credíveis desse tempo. A ideia que então
construi é a de um tipo meio louco, que fazia o que o Álvaro Cunhal
mandava e que a dada altura, o PS e o Grupo dos Nove puseram a andar. No
fundo, a ideia foi aquela que a comunicação social criou e, estou certo, o
mesmo se passou com milhões de portugueses. Acho agora que a História lhe deve fazer
a justiça que estas quase quatro décadas não fizeram.
Devido a um trabalho académico em que me
envolvi, tenho falado com algumas pessoas que foram protagonistas do 25 de
Abril e no pós-25 de Abril, e lido algumas obras que abordam esses tempos e a
minha ideia acerca do general Vasco Gonçalves mudou, ou está em mudança. Acabei
hoje a leitura desta longa entrevista que ele deu a Maria Manuela Cruzeiro, do
Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra e conjugando o
que aqui li com o que fui ouvindo e lendo nos últimos tempos, tenho para mim
que Vasco Gonçalves era um genuíno patriota, honesto, de uma seriedade a
toda a prova, o militar brioso que não lhe permitia cedências a interesses que
fossem contra os interesses do país e do seu povo. É dele uma frase que retive
e que usou várias vezes, particularmente num famoso discurso em Almada, quando
estava já na sua fase de decadência na política portuguesa: «a ética e a política
têm de caminhar a par» cito de cor, mas a ideia é essa. E quantas vezes essa
frase emerge quando atentamos no que se passa nos nossos dias? Na sequência do 25
de Novembro, por decisão do Conselho da Revolução, passou à reforma
compulsivamente, algo que ele achava ser uma injustiça e por isso recorreu, mas
a decisão estava tomada. A verdade é que muitos anos depois, um dos seus adversários
de então, membro do chamado Grupo dos Nove, Vasco Lourenço, vem reconhecer essa
mesma injustiça, ao referir-se à decisão como um erro do Conselho da Revolução,
a que pertencia. Na entrevista que deu ao CD25 de Abril, Vítor Alves
referiu-se-lhe, dizendo que Vasco Gonçalves foi mal tratado pela comunicação
social, daí a imagem negativa com que grande parte do povo português dele
ficou. Sobre as suas inclinações ideológicas, Vítor Alves situou-o na esfera do
MDP, sem dependências, e relativamente ao seu alegado papel de «marionete» na
mão do PCP, disse o antigo major que tal é falso, dizendo que algumas vezes
assistiu a discussões acesas entre Vasco Gonçalves e Álvaro Cunhal, por estarem
em total desacordo sobre determinados aspectos, para logo o militar de Abril
concluir: «se existisse essa subalternização, estas discussões nunca teriam
lugar.» Concordou que ele, a partir de determina altura, estava alterado
emocionalmente. Como outros, Vasco Gonçalves era um dos «homens sem sono.» Na
verdade, e segundo Vítor Alves, que dele foi ministro duas vezes, para se manter
desperto tomava «Guronsan» e, porque tinha de dormir duas ou três horas, tomava soporíferos.
Esta mistura associada ao tempo efervescente que viveu, gerou, naturalmente, algum desgaste que foi em crescendo e se ia manifestando, aproveitando-se a comunicação social detratora para elaborar as suas caricaturas, que colaram.
Começa a ser tempo de se fazer a história
desse tempo. Alguma já se fez, mas muito está por fazer e talvez haja mitos que
devam cair e injustiças por reparar. Vasco Gonçalves é uma dessas figuras,
particularmente quando comparamos a sua entrega, a sua honradez, a sua postura
face ao país e ao povo com os políticos que nos têm governado nos últimos anos.