«Entre Margens» - Portugal Espanha, uma questão de fronteiras
Está patente no Arquivo Nacional Torre do Tombo a exposição «Entre Margens», comissariada pela Professora Paula Godinho, da FCSH da UNL, relativa às relações entre Portugal e Espanha sobre questões fronteiriças ao longo da História. Ali podemos apreciar os documentos originais, desde o
Tratado de Badajoz, de 1267 até aos últimos acordos assinados pelos representantes dos dois países.
Trago este assunto ao A-de-Mar, porque o tema não pode estar mais actual, com a questão das Ilhas Selvagens a emergir e merecer a atenção de nuestros hermanos, quando, ao longo de séculos não lhes despertou qualquer tipo de interesse. Está em causa, bem o sabemos, a extensão da zona económica exclusiva que a posse daqueles rochedos pode proporcionar.


Sobre o tema escrevi uma crónica para o Portuguese Independent News Netwark (PINN - um sítio de notícias sobre a lusofonia para o qual escrevo com mais ou menos regularidade desde a sua fundação), que aqui deixo, como deixo algumas fotografias (de pouca qualidade) efectuadas na exposição atrás aludida, cuja visita recomendo vivamente a quem se interessa por estes assuntos - que no plano do ideal, deviam ser todos os portugueses. Aqui fica o texto:
«Portugal-Espanha - uma questão de fronteiras
Aceita-se como verdade que Portugal
possui as fronteiras mais antigas da Europa. Na verdade, o Tratado de
Alcanizes, de 1297, assinado por D. Dinis e Fernando IV, rei de Leão e Castela,
estabeleceu uma linha de fronteira, não muito diferente da que hoje existe. Há,
contudo, cerca de seis dezenas de quilómetros dessa linha, que coincidem com a
região de Olivença, que marcam uma diferença face ao estipulado em Alcanizes.
Olivença foi ocupada em 1801 pela Espanha, na sequência de um pacto do reino espanhol
com a arrasadora maré francesa saída da Revolução, que ameaçava inundar toda a
Europa. Mais tarde, em 1815, após a derrota de Napoleão, foi determinado em
Viena, que Olivença fosse entregue a Portugal, o que nunca chegou a acontecer,
como nunca aconteceu uma vigorosa exigência portuguesa para recuperar a parte
surripiada do seu território.
Cerca de cem anos antes, em 1713, a
Espanha oferecia Gibraltar à Grã-Bretanha, pelo Tratado de Utreque, a título de
indemnização relacionada com a Guerra da Sucessão de Espanha. Não sendo determinante,
não deixa de ter peso: o território de Gibraltar é cerca de vinte vezes menor
que o de Olivença. Se Olivença perde em localização estratégica face a
Gibraltar, ganha seguramente, e por muitos pontos, em dimensão.
Portugal foi espoliado de uma parte
do seu território há 200 anos; a Espanha, há 300 anos, doou uma parte do seu
território. O que acontece nos dias de hoje é que a Espanha não se cansa de
reclamar contra a ocupação de Gibraltar, exigindo voltar a ter a sua
jurisdição, mesmo contra a vontade dos gibraltinos, que já a deram a conhecer,
manifestando-se por manter o estatuto que possuem. Nuestros hermanos ameaçaram
colocar o problema na ONU, como forma de pressionar os britânicos. De Portugal,
quanto a Olivença, ouve-se apenas um silêncio secular.
A este propósito introduz-se aqui um
outro elemento, simples, mas elucidativo: Ceuta. Como se sabe, esta cidade do
Norte de África, do outro lado de Gibraltar, foi a primeira conquista
portuguesa e europeia nesta região do mundo, marcando o início do ciclo da
expansão ultramarina portuguesa. Aconteceu em 1415, antes ainda da descoberta
da Madeira. Aquando da reconquista da independência de Portugal, em 1640, a
única possessão do Império português que não quis regressar à coroa foi
precisamente Ceuta, que preferiu ficar sob administração espanhola, o que foi pacificamente
aceite pelos restauradores da independência; não há evidências do contrário.
Mais recentemente, no último mês de Dezembro,
a Espanha terá colocado a questão da posse das Ilhas Selvagens na Comissão de Limites da Plataforma Continental da ONU, que
irá tomar uma decisão. O país vizinho não o fez, certamente, pelos pobres ilhéus em
si, que sempre desprezou ao longo dos séculos, mas devido ao que eles potenciam
nos dias de hoje, em termos do aumento da zona económica exclusiva,
particularmente numa altura em que se fala na possibilidade de o seu subsolo
marinho esconder jazidas importantes de petróleo e gás natural.
As Selvagens pertencem ao
arquipélago da Madeira, representam quase 300 mil quilómetros da zona económica
exclusiva portuguesa e são o que resta de um conflito antigo que opôs a Espanha
a Portugal em torno da questão da posse do arquipélago das Canárias, que ainda
no século XV ficou decidido que integraria o território espanhol. É verdade que
as Selvagens se encontram desabitadas, sempre o foram, como é igualmente
verdade que elas fazem parte do território português há séculos. Há uns anos
foram classificadas como reserva ecológica, particularmente devido à
nidificação de certas aves, as famosas cagarras, que o Presidente Cavaco Silva foi
visitar em tempos, e fez muito bem.
As boas relações entre países vizinhos
têm de ser fomentadas; tudo deve ser feito para as fortalecer. Tudo menos ceder
em questões que mexam com a dignidade dos povos, ainda que o argumento, não
confessado, seja que o vizinho é maior e mais poderoso. O que está verdadeiramente
em causa é a postura diversa dos respectivos países perante problemas idênticos.
Vejam-se os britânicos face a Gibraltar, face às Malvinas, ou como eles preferem, as Falklands;
veja-se a postura da Espanha face a Gibraltar e mais recentemente face às
Selvagens. E Portugal?... Assobia para o lado e faz de conta que não é com ele,
não vá incomodar alguém, quiçá a Espanha.
Ninguém
defende a guerra, como os britânicos fizeram face aos argentinos por causa das
Malvinas, mas, já devíamos saber, de nada nos vale esta postura de pequeninos,
que não somos, mas de que nos fazemos, em nome de um bom relacionamento que,
para se construir saudavelmente, deve ser desejado e defendido de igual forma por
todas as partes envolvidas. Diz o povo que quanto mais nos agachamos, mais se
vê o traseiro. Tem sido esta a postura que sempre mantivemos com a Espanha face
ao problema de Olivença, que, esperamos, não venhamos a ter face às Ilhas
Selvagens. Não é só um imperativo, lutarmos por aquilo que nos pertence, está
em causa, principalmente, a dignidade de um povo que, ao longo de quase 900
anos de História, deu contributos inestimáveis ao desenvolvimento da Humanidade,
incomensuravelmente acima do que a sua dimensão e localização geográfica permitiria
perspectivar.
Carlos
Ademar»