Unamuno, Laranjeira e os portugueses (suicidas)



            Extractos de uma carta de Manuel Laranjeira a Miguel Unamuno

Carta a Unamuno
     Amigo:
     Não imagina o prazer que senti ao saber que V., espírito superior, andava a compor um livro sobre as coisas da minha terra, desta minha tão desgraçada terra de Portugal.
     Desgraçada – é a palavra.
      O pessimismo suicida de Antero de Quental, de Soares dos Reis, de Camilo, mesmo do próprio Alexandre Herculano (que se suicidou pelo isolamento como os monges) não são flores negras e artificiais de decadentismo literário. Essas estranhas figuras de trágica desesperação irrompem espontaneamente, como árvores envenenadas, do seio da Tera Portuguesa. São nossas: são portuguesas: pagaram por todos: expiaram a desgraça de todos nós. Dir-se-ia que foi toda uma raça que se suicidou.
     Em Portugal chega-se a este princípio de filosofia desesperada – o suicídio é um recurso nobre, é uma espécie de redenção moral. Neste malfadado país, tudo o que é nobre suicida-se; tudo o que é canalha triunfa.
     Chegámos a isto, amigos. Eis a nossa desgraça. Desgraça de todos nós, porque todos a sentimos pesar sobre nós, sobre o nosso espírito, sobre a nossa alma desolada e triste, como uma atmosfera de pesadelo, depressiva e má. O nosso mal é uma espécie de cansaço moral, de tédio moral, o cansaço e o tédio de todos os que se fartaram – de crer.
     Crer…! Em Portugal a única crença ainda digna de respeito é a crença – na morte libertadora.
     É horrível, mas é assim.
     A Europa despreza-nos; a Europa civilizada ignora-nos; a Europa medíocre, burguesa, prática e egoísta, detesta-nos, como se detesta gente sem vergonha, sobretudo… sem dinheiro.
     Eu, por mim, não sei, não sei: em boa verdade, amigo, não sei para onde vamos. Sei que vamos mal.
    Quando penso que sobre nós pesa a herança trágica, secular, de uma ignorância podre e de uma corrupção criminosa, o meu espírito enegrece e sinto-me adentrado de um pavor indizível, talvez absurdo. E, mais que saber se vamos para a vida ou para a morte, me preocupa saber se morreremos nobre ou miseravelmente.
      Bem vê, amigo, a vida, quer se trate da vida de um homem, quer se trate da vida de um povo, é uma coisa bem pequena, bem desprezível. O importante é que se faça uso dessa vida. E em Portugal (veja a profundidade do nosso mal) há almas quê são sucumbidas que dizem que – tanto faz morrer de um modo como de outro. Esta insensibilidade é pior que a morte, não é verdade?
     Às vezes, em horas de desânimo, chego a crer que esta tristeza negra nos sobe da alma aos olhos; e, então, tenho a impressão intolerável e louca de que em Portugal todos trazemos os olhos vestidos de luto por nós mesmos.
     É claro, eu sou português e portanto filho de um povo que atravessa uma hora indecisa, crepuscular do seu destino.
     Isto quer singelamente significar que quanto eu digo das coisas e desditas de Portugal, o digo como português. Repito: Portugal atravessa uma hora indecisa, gris, crepuscular, do seu destino.
    Será o crepúsculo que antecede o dia e a vida, ou o crepúsculo que antecede a noite e a morte?
     Não sei, não sei, não sei…
     Há meses ainda, quando Portugal atravessava os dias terríveis da ditadura de Franco, eu cria que íamos ressurgir. Hoje, porém, há uma tranquilidade podre que me assusta deveras. Não falta mesmo por aí quem diga que isto já não é um povo, mas sim – o cadáver de um povo.
     Não, sei, não sei…
   
Espinho, 28 de Outubro de 1908

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