Bijagós II

Ninguém pode dizer que as conhece a todas. São cerca de 80 ilhas, umas grandes outras mais pequenas, mas parece que o Arquipélago dos Bijagós têm um denominador comum: o verde luxuriante da paisagem. Ainda que alguns naturais duvidem, no Atlântico, ao largo da Guiné-Bissau está um tesouro por explorar.
Entrámos numa lancha de sete metros no porto de Bissau, com uma ondulação não muito encorpada, mas nervosa e constante. Era hora de maré vaza, o que permitiu ver com maior detalhe, o que resta de várias antigas embarcações, algumas de médio grande porte que, por razões desconhecidas, ali ficaram. E assim, a incúria do homem faz com que um local de vida como o são os portos, funcione também como cemitério de ferro-velho.



A viagem marcada para as nove começou às 10. Convenhamos, não estivemos mal. Faltavam chegar umas baterias, que são coisa preciosa em locais onde, por vezes, escasseia o combustível que alimenta os geradores eléctricos. Seguiram-se duas horas e meia de saltos nas vagas, de borrifos de água tépida a salpicar os cinco passageiros, todos ligados à cooperação internacional, ainda que em programas diferentes. Talvez devido à agitação do mar, nas primeiras milhas percorridas a água apresentou-se barrenta e só muito lentamente, à medida que nos afastávamos da costa, foi ganhando tonalidades do verde, que ali também preenche muito do percurso aquático que fizemos. Não sei se inebriado pela paisagem ou se por outra razão que não sei explicar, apesar de tanto mar, notei a falta do seu cheiro.
Os variadíssimos contornos das ilhas foram surgindo no horizonte de forma repetitiva em termos cromáticos. Primeiro o cinzento e, por vezes, nem passava disso porque a distância não o permitia, porém, quando as milhas se reduziam o suficiente, o verde mostrava-se e, mais raramente, notavam-se mesmo as copas das árvores e as nesgas de amarelo das praias, onde apenas por mar se pode chegar.



Simão Sandi, o nosso piloto, é um jovem que ainda não ultrapassou os 30 anos, e a quem faltava um incisivo no maxilar superior. A determinada altura, a minha solicitação, ele foi mostrando dotes de cicerone, apresentando as ilhas à medida que por elas íamos passando: a levemente esverdeada Bolama, à esquerda, onde se situa a cidade, com o mesmo nome, que foi a primeira capital do país; mais à frente e mais verdinha, a ilha das Galinhas; à direita as cinzentas Maio, Formosa e muitas, muitas outras, tantas, que lhes fui perdendo a conta e os nomes.

Quando nos aproximávamos das duas horas de viagem, que coincidiu com a passagem pelo ilhéu Galo, um simples montículo no meio da planura aquática, com arvoredo em crescendo até ao cocuruto, sugerindo uma crista de galináceo – assim a quis ver, certamente sugestionado pelo nome -, avistou-se Rubane, a ilha do nosso destino. Mais uma vez, o cinzento foi dando lugar ao verde, primeiro escuro, depois mais claro até se verem os contornos das árvores mais altas, e o imenso areal que ocupa a quase totalidade do lado da ilha mais chegado ao continente. Passámos então a acompanhar a vertente Sul, a poucas centenas de metros da costa, percebendo perfeitamente todo o seu desenho, com as reentrâncias e saliências, com o verde denso da mata a terminar no azul esverdeado do mar, sendo esta quase constante interrompida apenas por pequenas praias, pequenos pedaços do paraíso ali semeados, à espera de quem os possa usufruir com mil cuidados para não os profanar.


Subitamente as águas acalmaram, ficou um mar chão, como dizem os mareantes quando a ondulação está completamente ausente. Simão, conhecedor destas águas desde que nasceu por ser um bijagó, e entregue aos comandos daquela lancha há seis anos, bem nos informara: «Mais à frente acalma». E acalmou. Navegávamos num canal que tem Rubane e Bubaque à direita, e Canhabaque à esquerda, sendo esta uma ilha quase do tamanho das duas primeiras e qualquer uma delas, das maiores do Arquipélago. Após quilómetros e quilómetros de verde, sem qualquer vestígio humano a não ser algum lixo no mar, raro diga-se, vimos umas cabanas em madeira cobertas com colmo, perfeitamente enquadradas na paisagem. A velocidade da embarcação reduziu-se. Era aquele o nosso poiso por dois dias.



Talvez continue...

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