Garfo, esse instrumento colectivo

Do que conheço, Bissau tem pouco mais de uma dezena de restaurantes, sendo que destes, apenas num ou noutro, não sentimos uma certa comichão num recanto qualquer do corpo, quando pegamos no garfo ou no copo que temos à frente e pensamos que, mais tarde ou mais cedo, os vamos levar à boca. E se quase sempre dispenso o copo, porque aqui a bebida oficial é a cerveja, que pode ser bebida a partir da garrafa, quanto ao garfo…

Pensemos: o garfo para cumprir a sua função tem de penetrar na boca de qualquer um. Repugnante. É um instrumento com quatro dentinhos compridos e, mais problemático, três intervalos do tamanho dos dentes e estreitinhos. E, claro, são estes que mais me preocupam. Aqui se pode esconder muita coisa difícil de detectar e limpar. Na verdade, a peça que as boas maneiras francesas impuseram ao mundo, foi, desde sempre, a que mais ralações me causou nesta matéria da alimentação.

Cada cidadão devia ter um garfo só para si. Pode haver coisa tão íntima, mas mais do que o garfo não me parece e, no entanto, todos usamos os de todos. O garfo é uma ferramenta mais comunitária do que antigamente o eram qualquer alfaia agrícola. Mais porque, a comunidade agrícola era sempre a mesma e conhecida, enquanto ao restaurante vai qualquer um. As alfaias quase deixaram de o ser; a sociedade de consumo também aqui chegou e cada um tem a sua, mas o garfo mantém o seu cariz colectivo. Uma verdadeira promiscuidade. Pensar que há restaurantes chamados «O Garfo», faz-me perder o apetite. Razão tinha Gandhi quando dizia que o homem todos os dias cava o seu tumulo com o garfo. Se não concordamos nos objectivos a atingir, uma vez que o sábio indiano era vegetariano, concordamos na responsabilidade da premissa: o garfo.

A sensação é a mesma a cada nova experiência, que se repete mais do que uma vez por dia: depois de usar o garfo uma ou duas vezes, a coisa passa, mas até aí… nunca é fácil. Se calhar mais ninguém se preocupa com isto e eu não passo de um ser esquisito como nem eu sei. Mas, toalha para o chão: os garfos são o meu ponto fraco.

E porque raio só agora, aqui em Bissau, falo nisto? Bom, porque só agora tenho um blogue e o tema parece-me adequado a uma plataforma de comunicação como o são os blogues, além de que, se calhar, nunca antes esta questão foi tão premente.

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