Apresentação de Primavera Adiada em Tavira

Optei por postar aqui alguns excertos do texto de apresentação de Primavera Adiada, efectuada pela Dra. Ana Matias, no passado dia 18 de Maio, em Tavira. Só a extensão do texto me leva a não colocá-lo na integra, mas não quis privar os leitores destes segmentos se não pela simpatia que expressam relativamente à obra, pela profundidade de análise que a apresentadora quis atingir e atingiu que, perdoem-me, não abunda por aí.  

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De aparente singelo romance de amor entre jovens adultos, como à primeira vista poderemos julgar, Primavera Adiada paulatinamente vai-se impondo aos olhos do leitor como uma narrativa ficcional que se desenrola num contexto histórico que, com rigor e precisão, enquadra e condiciona a vida das personagens. Mais do que a história de uma menina/mulher, a Marta, que ao fim de vários anos e peripécias consegue superar a sua primeira paixão amorosa, esta é uma obra que nos conta a história de um momento político de um país: os duros anos sessenta do salazarismo, a ilusão do abrandamento da repressão e a alteração das opções políticas, como o slogan de Marcello Caetano prometia ao defender a “evolução na continuidade” e a sua acção política a ser caracterizada como a “primavera marcelista”, até aos alvores da democracia em Portugal, no ano de 1974.
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            George Lukács (1885-1971), crítico literário húngaro de renome, defende que um romance histórico exige “ uma estratégia narrativa capaz de reconstituir com minúcia os componentes sociais, axiológicos, jurídicos e culturais que caracterizam essas épocas”. Ora, esta obra de Carlos Ademar evidencia a adopção de uma estratégia narrativa que habilmente põe em interacção personagens inteiramente ficcionais com personagens históricas e personalidades públicas, algumas delas ainda hoje vivas e no activo.

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...não se julgue que este romance se assemelha mais a um documento histórico do que a uma obra literária onde as personagens são surpreendidas por peripécias e vivenciam emoções de alegria e de angústia, tal qual o comum dos seres humanos de carne e osso com os seus amores, paixões, medos, raiva ou indiferença.
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Qual voyeurs indiscretos, podemos aqui ler momentos da vida amorosa e sexual de Marta narrados com acutilante realismo, visualizar, mentalmente, os sonhos tornados pesadelos do agente Gilberto da Polícia Judiciária, também ele a procurar ultrapassar as memórias de episódios traumáticos vividos na guerra colonial. Qual testemunhas de momentos de acção repressiva, podemos aqui nos impressionar com o cruel assassínio do estudante universitário Serafim Santos ou arrepiarmo-nos com os sofisticados métodos de tortura prolongada a que os presos pela DGS eram submetidos ou, ainda, e por oposição aos exemplos anteriores, esboçarmos um sorriso de candura perante outros episódios.
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Tavira, 18 de Maio de 2011
                 Ana Cristina Matias

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