A imagem e o talento

Nestes tempos em que a imagem vale mais do que mil talentos, há pessoas que por muito que façam, dificilmente verão reconhecidos os méritos. Assaltam-me a memória uma série de nomes que poderíamos encaixar neste vasto naipe, mas queria falar de um: Sebastião Antunes. Assim de repente, é um nome comum que não dirá muito à esmagadora maioria dos portugueses, e não é de estranhar, apesar de ser um honesto compositor, autor e intérprete musical há cerca de 20 anos. Conheci-o no princípio dos anos 90, no Cacém, onde ambos morávamos; ele o artista, eu o espectador e admirador. Integrava então um projecto chamado Peace Makers, que chegou a ter alguma repercussão, particularmente com um tema intitulado Caixa de Música. Bandolins, violinos, gaitas-de-foles, flautas, letras sempre com sentido e terminologias populares, assim como as músicas, melodiosas ou ritmadas, mas com sonoridades bem ancoradas naquilo que é a essência das nossas origens culturais, que em tempos remotos nos chegaram do Norte da Europa.
Pouco depois nascia um outro projecto, que teria uma maior projecção, os Quadrilha. Fizeram cinco álbuns, mas falava-se deles apenas aquando do lançamento das novas criações. Passavam então uma ou outra música numa ou noutra estação de rádio, quase sempre na Antena 1, e pouco mais. Por vezes iam à televisão, quase sempre àqueles programas de fim de tarde, onde abundam os playbacks - mas quem pode desperdiçar uma ida à televisão? essa majestade que tudo devora. Sebastião Antunes tem feito uma carreira digna, mas discreta, discreta de mais face ao que merece. Ele é o comandante desta Quadrilha, o guia da banda, o seu principal municiador de músicas, letras e a voz principal. Foi fazendo outras experiências esporádicas com outros músicos, outras sensibilidades, sem nunca se afastar das origens.
Esta segunda-feira, dia 19, foi posto à venda o seu primeiro disco a solo; «Cá Dentro» é o seu título. São doze temas, nove dos quais originais, onde está presente o cunho que distingue este cante-autor: as sonoridades celtas, com reflexos evidentes nas manifestações culturais mais arreigadas nas gentes de Trás-os-Montes, Minho, Galiza, entre muitas outras regiões e países puxados a Norte.
Ainda que, resignando-nos aos ventos que sopram e ditam as preferências do consumo imediato, do usar rápido e deitar fora igualmente rápido, para comprarmos mais; talvez vencidos, mas nunca convencidos de que a imagem vale mais do que mil talentos, ainda assim, vale bem a pena ouvirmos este «Cá Dentro» e, sempre, Sebastião Antunes. Primeiro porque é muito bom, e esta razão bastaria, depois, por uma questão de militância pelas coisas autênticas que resistem. Ao ouvi-lo até parece que prevaricamos, porque damos um safanão a essa tendência pós moderna de tratar a cultura como coisa real por fora visando apenas o lucro, mas sem substância real por dentro; chutamos para canto os produtos que não conseguem acrescentar coisa alguma a um futuro cultural matizado como desejamos, pelo contrário, engrossam o caudal que parece seguir irreprimível no caminho do unanimismo cultural. Para pobreza de todos nós.

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