A República não é de ninguém

A menina República completa a bonita idade de 99 anos.
Nessa manhã de 5 de Outubro de 1910, no Rossio, depois de trinta e tal horas de combates, um general monárquico entregava o poder a Machado Santos, o chefe operacional dos revoltosos, dizendo-lhe que nada tinha para entregar. Assim estava o regime defunto.
A família real fugiu para Inglaterra, a monarquia caiu e os republicanos começaram a aparecer aos milhares. Não se sabia que havia tantos, e o seu número não parou de crescer. Oportunistas? Claro, muitos! Já havia disso e em grande quantidade. Machado Santos no jornal que fundou, pouco depois, alcunhou-os de «adesivos». E que melhor alcunha lhes poderia arranjar.
Seguiram-se 16 anos de tumulto, depois 48 de paz podre e, há 35, um regime em que existe a presunção de que o povo é quem mais ordena - apenas porque pode votar.
Caiu o rei, surgiu o presidente da República. Desapareceu a sucessão dinástica, surgiram outras sucessões e está longe de ser inédita a transmissão do poder de pai para filho, particularmente nas autarquias. Mas estas sucessões são evidentes, mais perigosas e até perniciosas, são as outras, aquelas em que, com a imagem de jogo limpo, alguém aparece, nomeado sabe-se lá por quem e com que interesses, para que o povo sufrague o seu nome. Depois a televisão faz o resto: o cavalheiro é eleito e todos pensamos que o voto é livre e o povo é quem mais ordena. Jogos de espelhos, ilusão, chame-se o que se quiser, mas de transparente pouco tem. Ninguém pega na mão do povo para lhe indicar qual a quadrícula onde pôr a cruzinha, mas manipulam-lhe o pensamento. Ninguém o ignora, nem o povo, apenas não se importa. Por enquanto.
Apesar de tudo, reconhecidos os defeitos e virtudes, sou republicano. Ainda que seja sensível ao argumento da figura real como agregadora da nação, coisa que um presidente, porque é eleito e discute eleições, muito dificilmente conseguirá. Concordo, contudo, que numa sociedade aberta como a nossa, com os meios de comunicação social sempre a tentar espreitar o interior das instituições, descobrindo-lhes fragilidades, abrindo-lhes brechas, a família real não consegue manter a aura que durante séculos ajudou a criar a imagem impoluta e de centralidade, capaz de agregar.
Não, definitivamente, a monarquia não é deste tempo. Agrada-me mais a ideia de que, em teoria e com todos os riscos, qualquer português possa assumir a mais alta magistratura da nação. Daqui não saio.
Viva a República.

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