Os guineenses e a Língua Portuguesa

Portugal não foi competente na difusão da sua língua na Guiné. Conheço mal o processo de colonização desta antiga província ultramarina, como não conheço os principais factores que levaram ao evidente fracasso. Constato-o, apenas.

Para além da Guiné, conheço Moçambique. Quando falo dos países, quero esclarecer que estive, basicamente, as suas capitais. Em Maputo, onde permaneci três semanas, foi raro encontrar dois moçambicanos que não comunicassem em português. Em Bissau, pelo contrário, não me lembro de deparar com dois guineenses que dialogassem na nossa língua.

Mais grave, há guineenses a viver na capital com quem é impossível estabelecer uma conversação em português. E não falo de pessoas pertencentes a uma faixa etária idosa, mais afastada do ensino, falo de gente nova, nascida após a independência e que já teve uma escolaridade equivalente ao nosso 11º Ano, onde o português é ensinado desde o início.

O calor abafado que se tem sentido, empurra-me para o ar condicionado do quarto, de onde apenas saio para trabalhar e comer. Os filmes, o computador e as leituras, têm-me ajudado a vencer as horas com relativa facilidade. Por força das circunstâncias, tenho tido oportunidade de conhecer as empregadas que fazem a limpeza no 2º andar, onde passei a primeira semana. A Manuela, mulher determinada, grande, bem negra, lábios grossos sempre risonhos, olhos escuros e brilhantes, começou a falar mais comigo desde que lhe dei 1000 francos para me passar uma camisa e me arranjar duas almofadas suplementares. Percebe razoavelmente o português se o interlocutor ajudar, falando devagar e com gestos expressivos. Mas fala muito mal. Não resisti e perguntei-lhe porque raio os guineenses falavam tão mal a sua língua oficial. Esperta, com opinião formada sobre estas coisas, sem hesitar e à sua maneira disse-me que os professores também não conhecem bem a língua. E se alguns se preocupam em corrigir os erros dos alunos, naturalmente de acordo com as suas capacidades, a esmagadora maioria não o faz por inércia e, ou, falta de competências.

Sábado é o dia de folga da Manuela e a Fatu ocupou o seu lugar. Consegui perceber que é a «governanta», e que a Manuela não estava… e pouco mais. Ainda lhe perguntei se era natural da Guiné-Bissau porque há alguns imigrantes da Guiné Conacri e do Senegal. Não senhor, nada e criada em Bissau, a Fatu, muito mais austera na distribuição de sorrisos, mas tão grande, negra e de lábios tão grossos como a Manuela, não só não fala como não percebe o português, a língua em que teve de escrever – não sei se falar – durante pelo menos 11 anos da sua vida, e ainda não passou os 30.

É claro que a Manuela tem razão, os professores não sabem, logo, não podem ensinar. Mas o principal problema foi o investimento - ou a falta dele - dos portugueses enquanto por cá andaram. Tenho a certeza absoluta de que é impossível encontrarmos uma Fatu em Maputo e, mesmo sem conhecer de terreno pisado a situação angolana, dificilmente encontraremos um caso assim em Luanda. Talvez a geografia e o clima guineenses tenham afastado mais os portugueses; talvez a diversidade étnica num território tão diminuto, tenha igualmente contribuído para a dificuldade de penetração da língua portuguesa. Não sei. Talvez.

Pura especulação, eu sei, mas sendo conhecidas as dificuldades que o PAIGC criou às tropas portuguesas, nada comparáveis à situação vivida em Moçambique e, particularmente, em Angola, até que ponto a deficiente difusão do português, não teve peso nessa maior precariedade da soberania Portuguesa no território, levando mais facilmente as populações a juntarem-se aos guerrilheiros nacionalistas? E já agora, até que ponto a falta desse fio condutor, que é uma língua comum numa realidade multiétnica como a guineense, não contribuiu e continua a contribuir, para a instabilidade política e social que este país conhece desde a sua independência?

Não, a este nível não fizemos um bom trabalho na Guiné!

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